Frankfurt. Através de um referendo no dia 06.11.2022 os cidadãos da cidade de Frankfurt tomaram o poder do prefeito de Frankfurt de volta (95% do total de eleitores que compareceram às urnas foram a favor da sua expulsão).
Já pensou se isso pega moda no Brasil toda vêz que um político for pego usando seu cargo para corromper ou se deixar corromper? Na Alemanha o juíz que julgou o caso de Peter Feldmann explicou que já é crime se houver simplesmente a aparência de comprabilidade, ou seja, se o político exercendo função pública apresentar aparência de corrupto (mais abaixo nesta matéria).
Em 2022, tornaram-se públicas as acusações do Ministério Público de que Feldmann durante sua campanha eleitoral para prefeito de 2018 teria sido ilegalmente apoiado pela AWO* com doações monetárias em troca de sua promessa de que, uma vêz eleito, „seria muito benevolente“ aos interesses da AWO. Por exemplo, Feldmann é acusado de influenciar para que os contratos para gestão de abrigos de refugiados, fossem dados à AWO. Feldmann também interveio pessoalmente junto ao chefe de assuntos sociais da cidade de Frankfurt para conseguir favorecer a AWO. Com base neste acordo ilegal, a AWO também “encorajou” os seus próprios funcionários em chats internos a doarem para a campanha de Feldmann e a recolherem doações para ele (ex. FAZ 24.03.2022, 09:18 >>>). Outro fato que agora posteriormente atrapalha a vida de Feldmann é que durante seu tempo como empregado da AWO, foi criada uma função exclusivamente desenhada para seu perfil no organograma da AWO para Feldmann. Após a saída dele, esta posição não foi mais preenchida. O fato que levou Feldmann a ser investigado e assim ter todos os seus acordos ilegais conhecidos da justiça foi o caso envolvendo sua namorada na época (em 2014 com 29 anos de idade) e mais tarde esposa (2016-2021**), Zübeyde Temizel, uma turco-alemã, que foi contratada em 2015 com um salário de EUR 4.500/mês como Diretora de uma creche turco-alemã recém-fundada. Temizel conseguiu o emprego apesar da falta de experiência profissional e de qualificações um tanto inadequadas para a função, porém sob influência da então Diretora Executiva da AWO da cidade de Wiesbaden, Hannelore Richter, que no passado também havia favorecido Feldmann. Hannelore Richter simplesmente alterou na mão e caneta o contrato da jovem esposa de Feldmann garantindo que a mesma fosse imediatamente colocada no mais alto nível de serviço em seu grupo de negociação coletiva: nível 6, que normalmente só é alcançado após cerca de 17 anos de trabalho. Ela também recebeu um carro de luxo pela função na AWO, que pôde usar mesmo depois de ter um filho com Feldmann e estar em licença maternal (Der SPIEGEL 21/2022 >>>).
O promotor público acusa Feldmann de aceitar todas essas benéficas da „Arbeiterwohlfahrt“ – AWO (organização de ajuda social dos trabalhadores de Frankfurt fortemente ligada ao partido de esquerda SPD, partido esse que apoiou Lula moralmente durante sua prisão e lhe conecta fortemente com a Alemanha) em troca de favores da prefeitura sob sua gestão iniciada em 2014. Feldmann está sob tão forte suspeita de ter considerado tão „benevolentemente“ os interesses da AWO perante a prefeitura de Frankfurt que tais benevolências serão agora investigadas para que a cidade de Frankfurt ter certeza se houve ou não ato de corrupção contra ela. Feldmann, por exemplo, argumentou perante o tribunal que as origens turcas e os estudos relevantes de Temizel o levaram a acreditar que o emprego tinha sido realizado de acordo com as regras (Der SPIEGEL 21/2022 >>>).
Através de um referendo a maioria dos eleitores votou a favor da cassação, e o quórum necessário foi alcançado. De acordo com o resultado final preliminar, a participação foi de 41,9% ou 201.825 votos „sim“ contra 10.371 „contra“. A caçação democrática do mandato de Feldmann foi um sucesso estrondoso e um sinal forte contra a onda de corrupção que assola a Alemanha há alguns anos.
O agora ex-prefeito de 64 anos de idade admitiu a derrota no referendo, apesar de que esperava um resultado diferente, pois em sua gestão ele fêz muitas obras que beneficiaram os necessitados da cidade, como por exemplo o acesso gratuito às piscina públicas, as creches e a passagens baratas para estudantes e idosos acima de 64 anos de idade em transporte público da cidade. Feldmann também apontou numa recente aparição pública que os 60% dos eleitores de Frankfurt que não foram às urnas durante o referendo poderiam estar secretamente do seu lado, ou seja, seria uma minoria de cerca de 40% que havia feito campanha para sua remoção do cargo. Mas o que Feldmann ignora é que corrupção é algo muito grave, um atentado à equidade de vida dos cidadãos, logo ele como político de esquerda deve saber bem dos danos que corrupção causam à democracia. Outra coisa que ele também devia saber bem mesmo, é o fato de que cada vêz mais eleitores deixam, de comparecer às urnas porque acreditam que seu voto em nada de positivo influenciará para melhorar a situação de moral e ética na política alemã.
A lista de erros e constrangimentos cometidos por Feldmann é longa, provavelmente devido a uma mistura fatal de narcisismo e falta de autorreflexão conforme se constata lendo os relatos de funcionários da prefeitura, da AWO, sobre seu matrimônio, etc.. Ele, pessoalmente em campanha política, não passava a impressão de ser alguém assim. Eu o presenciei em diversas ocasiões durante sua primeira campanha para Prefeito de Frankfurt em 2012 quando eu ainda era membro de seu partido e contribuí para sua eleição, em 2018 novamente, batendo de porta e porta nas casas de eleitores num bairro de Frankfurt para conversar sobre ele e seu programa de governo e deixando nas caixas postais um bilhetinho do nosso partido lembrando para votar nele (ver foto acima).
Só a parência de comprabilidade já é crime
O Ministério Público foi extremamente rápido para provar sem sombra de dúvida que Feldmann se deixou „comprar“ pela „AWO Arbeiterwohlfahrt“ com vários favores. Peter Feldmann tirou proveitos inaceitáveis de seu cargo público e por isso foi condenado a um total de 26.989 euros, e terá que arcar com as despesas processuais do tribunal. O tribunal enfatizou que a responsabilidade criminal não depende de o beneficiário dos proveitos ter fornecido algo em troca. O direito penal alemão protege a confiança na integridade da administração pública. Assim, já é crime se houver simplesmente a aparência de comprabilidade, ou seja, se o político exercendo função pública apresentar aparência de corrupto. Mas isso não tem evitado que políticos usem de seus poderes para fazer negócios. Os escândalos de corrupção envolvendo políticos aumentam a cada dia e esse triste fato somente contribuem para que um número crescente de eleitores não votam mais ou total na extrema direita.
Resta saber se sua aposentadoria como funcionário público via eleição sofrerá algum tipo de corte. Até isso acontecer, Feldmann estará financeiramente em bons lençóis. Após sua cassação Peter Feldmann ainda tem direito ao salário do mês em curso e dos seguintes três meses, segundo o Ministério do Interior do Estado de Hessen. A classificação de seu salário como Prefeito de Frankfurt é B 11, ou seja, isso corresponde a um salário de EUR 14.160,35/mês. No final deste período, ele receberá continuará recebendo seu seu salário, porém sem outras remunerações adicionais, como por exemplo as de membro de Conselhos de Administração de diversas empresas municipais. Isso corresponde a 71,75% do salário que já recebia e que conta para sua aposentadoria. 71,75% de EUR 14.160,35/mês são 10.160,05/mês. Esse dinheiro fluirá para a conta do prefeito até o final do mandato efetivo, em 30 de junho de 2024, ou seja, Feldmann receberá bem mais de 100.000 euros até junho de 2024. A Alemanha tem uma democracia super generosa para políticos eleitos.
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Na foto: Peter Feldmann num cartaz quando da eleição em 2018 para Prefeito de Frankfurt. Fonte da foto: autor da matéria/ATN
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*) A AWO
Na Alemanha a AWO atende sobretudo pessoas com deficiência e idosos, mas também administra, por exemplo, creches, jardins de infância, escolas, clínicas psiquiátricas e forenses, espaços de lazer de férias e centros de aconselhamento para migrantes, gente em busca de asilo político e pessoas em situações de emergência. Está comprometido com os valores do socialismo democrático liberal. Porém a AWO tornou-se em 1998 numa multinacional. Em sua plataforma de internet a AWO>>> propaga o seguinte:
„Em estreita cooperação com organizações não governamentais nacionais, a AWO International tem trabalhado desde 1998 para garantir que as pessoas desfavorecidas possam melhorar de forma sustentável as suas condições de vida. Em caso de catástrofes, a AWO International está envolvida na ajuda humanitária de emergência e na reconstrução pós-catástrofe. …, a AWO International leva em consideração os desafios e oportunidades da globalização como parte do trabalho de educação e informação sobre políticas de desenvolvimento e fornece impulsos para ações sustentáveis e orientadas para valores. AWO International está comprometida com o comércio justo e oferece produtos comercializados de forma justa e produzidos ecologicamente.
A nossa visão é um mundo justo em que todas as pessoas pensem e ajam em solidariedade.“
A fundação da AWO
Em 13 de Dezembro de 1919, a social-democrata Marie Juchacz, secretária da mulher na executiva do partido SPD e membro da Assembleia Nacional de Weimar, apresentou ao SPD uma proposta para a criação de um „serviço de assistência social-democrata“ devido à necessidade e ao objetivo político de seguir o caminho do bem-estar moderno” e cria o “Comitê Principal do Bem-Estar dos Trabalhadores” no SPD.
Em 1926, o Arbeiterwohlfahrt foi reconhecida no II Reich como a principal associação independente para o bem-estar das pessoas em situação de baixomqpoder aquisitivo. A crise económica global, os regulamentos de emergência e as condições instáveis da República de Weimar tornam indispensáveis as actividades da organização de bem-estar dos trabalhadores.
Marie Juchacz nasceu na Polônia em Gorzów Wielkopolski, hoje Polônia e faleceu em Dusseldorf, Alemanha. Link, em inglês >>>
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**) Feldmann se divorciou de sua esposa por causa da gravidez dela. Feldmann desejou que ela abortasse, mas ela foi contra. A vida conjugal deles era muito instável.
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Figuras-chave da corrupção na AWO
De acordo com uma matéria da revista Der SPIEGEL 21/2022 >>>, as conclusões dos investigadores mostram que a Sra. Hannelore Richter e seu esposo eram figuras-chave da corrupção na AWO de Hessen, eles operavam um amplo sistema de manutenção de benefícios de relações no cenário político – e também se beneficiavam particularmente muito bem às custas da AWO. A Sra. Hannelore, 63 anos de idade, era diretora administrativa da AWO de Wiesbaden (capital do Estado de Hessen) e durante anos, ela também trabalhou em meio período para a AWO Frankfurt como “representante especial da administração”. O interessante é que nesta época seu marido, Jürgen Richter, 65 anos, chefiava a AWO de Frankfurt e ele pagava à ela um salário de seis dígitos (xxx.xxx), ou seja, muitíssimo dinheiro para um emprego de meio período. Jürgen Richter ainda ocupava o cargo de Vice-Diretor honorário da AWO em Wiesbaden, onde o filho do casal também trabalhava.
Ainda de acordo com essa matéria da Der SPIEGEL 21/2022 >>> os documentos da AWO comprovam que Hannelore e Jürgen Richter custavam, cada um, à AWO valores bem superiores a 300.000 euros por ano, além de um emaranhado opaco de benefícios financeiros e muitos pinduricalhos ilegais, inclusive um título de Doutor que Jürgen Richter mando colocar noa sua identidade e no seu passaporte. Jürgen Richter recebia ainda uma taxa fixa de 4.500 euros por mês para seus carros luxuosos usados a serviço, incluindo um pesado Jaguar. Os Richters também fizeram uso extensivo de cartões para compra de combustível, usaram ainda um cartão de crédito corporativo para outras despesas e até mesmo faturaram compras particulares via AWO. Um advogado dos dois argumenta que tudo isso estava totalmente dentro da legalidade.
Um negócio muito bonzinho de esposa para esposo e vice-versa e de pais para filho numa organização cuja visão é de um „mundo justo em que todas as pessoas pensem e ajam em solidariedade.“
O escândalo começo a aparecer em 2019 graças à uma denúncia anônima envolvendo salários e penduricalhos exorbitantes, carros de alto luxo para gente graúda e de faturamentos questionáveis desta organização sem fins lucrativos, então chegaram até o Prefeito de Frankfurt. Desde então, os investigadores do Judiciário da democracia alemã têm enveredado e desbravado caminhos através de uma selva de arquivos rastreando fluxos opacos de muito dinheiro. Vários políticos, dirigentes de associações sem fins lucrativos e funcionários públicos perderam os seus cargos. Até agora mais de 100 pessoas já foram investigadas. Muitos dos envolvidos é gente favorita da esquerda e de suas elites apoiadoras, eles possuíam na AWO mini-empregos sem ter que trabalhar para isso.
De acordo com a plataforma Ans Tageslicht >>> esse tipo de prática não se resume somente à AWO no Estado de Hessen, mas também à AWO dos Estados de Mecklenburg-Vorpommern ou de Thüringen.
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Fontes secundárias de pesquisa
Todas as fontes de internet cujos links estão contidos nessa matéria foram consultadas no dia 08.11.2022 entre 10:00 hrs e 16:00 hrs.