No seu discurso no Bundestag (Parlamento Federal) dia 27 de Fevereiro de 2022 o Chanceler alemão Olaf Scholz falou de um “reviravolta” (Zeitenwende em alemão) induzido pela invasão da Ucrânia pela Rússia três dias antes, ou seja, no dia 24 de Fevereiro de 2022: “O mundo depois disso não será mais o mesmo de antes”, disse o líder alemão.
A declaração dava a impressão de que a Alemanha de repente havia acordado para suas pesadas responsabilidades. A partir de agora, a nação de 83 milhões de habitantes, a maior economia da Europa, não iria mais confiar seu fornecimento de energia à Rússia, seu crescimento econômico às exportações para a China e sua segurança apenas aos Estados Unidos (um dia estes podem sair da OTAN*).
Esta reviravolta é principalmente sobre as relações germano-russas, a necessidade de fortalecer a capacidade de defesa e dissuasão e garantir o fornecimento de energia. Scholz anunciou que forneceria à Bundeswehr um fundo especial financiado por crédito de 100 bilhões de euros. Essa é uma quantia significativa, mas para atender à expectativa de que os membros da OTAN invistam pelo menos 2% de seu produto interno bruto (PIB) em defesa, um adicional de 25 bilhões de euros teria que ser gasto anualmente, ajustado pela inflação.
Relembrando: big business para Alemanha e UdSSR?
No Domingo, 1º de fevereiro de 1970, políticos do alto escalão e executivos do setor de gás da Alemanha e da União Soviética se reuniram no suntuoso Hotel Kaiserhof em Essen, Alemanha. Eles estavam reunidos lá para celebrar a assinatura de um contrato para construção do primeiro grande gasoduto Russo-Germânico, que iria da Sibéria até a fronteira da Alemanha Ocidental em Marktredwitz, no estado da Baviera. O contrato foi resultado de nove meses de intensa negociação sobre o preço do gás, o custo de 1,2 milhão de toneladas de tubos alemães a serem vendidos para a Rússia e sobre as condições de crédito oferecidas a Moscou por um consórcio de 17 bancos alemães. Consciente do risco de inadimplência da Rússia, o principal negociador financeiro dos bancos alemães, Friedrich Wilhelm Christians, tomou a precaução de pedir um empréstimo ao governo federal, sob o seguinte oretexto: “Não dou cambalhotas sem rede de proteção, especialmente em um trapézio”.
A Alemanha calculava lucrar muito, pois além da venda dos tubos e do empréstimo a altos luros pelo consórcio de 17 bancos alemães, as indústrias alemães iriam comprar gás a um baixo preço.
Meio século depois, no ano de 2020, a Rússia passou a fornecer mais da metade do gás natural que a Alemanha precisa e cerca de um terço de todo o petróleo que os alemães consomem para aquecer casas, fábricas de energia e veículos de transporte. Aproximadamente metade das importações de carvão da Alemanha, que são essenciais para a fabricação de aço, também veio da Rússia. O tiro saiu pela culatra.
O reviravolta precisa ser enorme e amplo, caso a Alemanha queira mesmo ficar independente da Rússia
A mudança que a Alemanha pretende fazer é enorme e abrangente, pois não somente a independência de matérias-primas da Rússia, mas também muitas reformas e investimentos que deixaram de ser feitos no passado, precisam urgentemente serem realizados se ela quiyer permanecer comparativamente forte na competição internacional, por exemplo em digitalização e forças armadas. Em 1989, a Alemanha investiu 2,7% de seu produto interno bruto em segurança nacional e, em 2014, já era apenas 1,1%. Somente a partir de 2017 a participação voltou a subir – em 2021, foi de apenas 1,5%. No entanto, 41% deste valor foi gasto com pessoal e direitos de pensão. Na França, 26,5% dos fundos de defesa vão para equipamentos; na Alemanha, são apenas 16,87%. No dia da invasão da Ucrânia pela Rússia, o inspetor da Bundeswehr (Forças Armadas alemães), Tenente-General Alfons Mais, o oficial mais graduado do exército alemão, disse que o exército estava severamente enfraquecido após anos de austeridade do orçamento e não está mais à altura da tarefa.
Sob os governos dos predecessores de Scholz, Gerhard Schroeder (1998-2005) e Angela Merkel (2005-2021), a política externa e de segurança alemã assumiu que a Alemanha estava cercada apenas por amigos e que a Rússia iria, de um jeito ou de outro, se aplumar ao gosto da UE e OTAN, que estavam avançado suas fronteiras em direção à fronteira russa, já de olho na Ucrânia. Esse equívoco levou a uma imprudência da política de segurança que se manifestou na negligência da Bundeswehr e na dependência de importantes matérias-primas da Rússia. Quando os EUA, o Reino Unido, a Polônia e outros parceiros da OTAN forneceram armas pesadas à Ucrânia, a Bundeswehr já estava em um estado tão deplorável que não pôde atender aos pedidos por armamento do governo ucraniano.
No entanto, como já vimos, a segurança nacional é apenas uma das muitas ruínas que Merkel deixou para o governo Scholz. A ameaça do presidente russo, Vladimir Putin, de cortar o fornecimento de gás não seria tão eficaz se a Alemanha não tivesse se colocado em situação de se tornar economicamente chantageável. O ex-juiz do Tribunal Constitucionalda UE, Udo Di Fabio, deu um veredicto devastador sobre a política energética alemã:
„Nenhum país com um senso aguçado de estratégia internacional teria promovido ativamente ou aceitado passivamente uma dependência energética tão massiva da Rússia como a Alemanha sob os chanceleres Schroeder e Merkel. Foram se entregar sua mais importante dependência, a de enérgia, ao país que sempre criticaram negativamente e mantiveram fora da União Européia. A Alemanha seguiu uma política energética de punho próprio, à ela não interessava os que os outros países da UE e nem seus parceiros da OTAN como os EUA pensavam a respeito. Quando os EUA criticavam os projetos como o Nord Stream 2, então a Alemanha educadamente proibia a interferência, nem mesmo as críticas dos estados bálticos não foram levadas a sério.„
Lambendo as próprias feridas
Agora a redução do fornecimento de petróleo e gás russos está afetando a Alemanha de forma particularmente dura, porque o aumento da demanda global é acompanhado por uma escassez politicamente projetada que começou muito antes das sanções contra a Rússia. A Alemanha vem sofrendo as consequências de males econômicos que ela mesmo se causou, males estes que dominaram a política energética desde que Merkel adotou as posições dos Verdes.
Foi um período de políticas imediatistas pesadas, como se o mundo alemão estivesse se acabando e medidas imediatas precisassem terem sido tomadas, pois sem elas o amanhã alemão estaria sem garantias. Outros risco, bem mais importantes, simplesmente não foram reconhecidos.
Em 2011, por exemplo, Merkel aproveitou a explosão de quatro unidades dos reatores de Fukushima como pretexto para comandar a retirada da Alemanha do uso pacífico da energia nuclear. As usinas nucleares e a de carvão foram gradualmente desativadas, e a extração de gás doméstico por fracking foi dispensada, alegando possíveis danos ambientais. O Canadá foi altamente criticado por produzir gás por fracking. Outro exemplo, foi uma concessão com a qual a chanceler atraiu a oposição de esquerda para o seu lado, ou seja, a abertura das fronteiras durante a crise migratória de 2015-2016.
Típico alemão! Se a Alemanha segue por um caminho, ela gosta que outros a sigam. Se ela erra, ela relativa o erro buscando solidariedade ou cooperação com outros países. Na UE esse é um costumeiro comportamento alemão sobre o qual muitos países-membros reclamam. Os outros de fora da UE ela tenda persuadir, mas se não consegue, então ela a critica através de sua imprensa. A Alemanha adora ter sempre razão e adora dar lições em outros países, adora até mesmo se intrometer nos assuntos internos. Historicamente isto acontece com ajuda da imprensa alemã, que apesar de crítica para com seu país, ela ager fortemente como sua oprdem dos cavaleiros teutônico, ou seja, galgando espaço para idéias e desejos do governo e do Estado alemães.
Políticas equivocadas
Hoje, os partidos alemães têm que se despedir de uma série de certezas aparentes que porém já são questionadas há mais de 20 anos mas apenas nas margens do espectro partidário rotulado de populista. Consertar os erros de decisões erradas que se acumularam ao longo de cinco legislaturas sobrecarregaria qualquer governo, mesmo que os partidos que o apoiam não estivessem envolvidos na definição dessas políticas equivocadas.
Foram os três partidos do atual governo, o de Scholz, ajudaram a moldar a Alemanha durante essas duas últimas décadas. O Partido Social Democrata (SPD) e os Verdes governaram sob o Chanceler Schroeder do SPD de 1998 a 2005. Por duas vezes, de 2005 a 2009 e de 2013 a 2021, o SPD pertenceu a uma grande coalizão com a União Democrata Cristã (CDU) sob a Chanceler Merkel. O Partido Democrático Livre (FDP) foi o parceiro menor de Merkel na coalizão preto-amarela de 2009 a 2013. Todos os três partidos da coalizão “semáforo” e a CDU, como o maior partido da oposição, tiveram um papel na drama que transformou a Alemanha economicamente forte e politicamente autoconfiante de Helmut Kohl (que serviu de 1982-1998) em um parceiro menos confiável e propenso a crises para o mundo ocidental.
A responsabilidade pelos erros e omissões da era Merkel é, em primeiro lugar, do seu próprio partido, o CDU, do qual era era líder. Friedrich Merz, agora o novo presidente desse partido, emergiu com sucesso se opondo à Angela Merkel. Merz há anos que era o oponente mais proeminente da Chanceler dentro do partido dos dois. Portanto, não foi muito difícil para ele apoiar a “reviravolta“ que Scholz anunciou no Bundestag. Para evitar conflitos no partido, no entanto, ele evitou até agora criticar a ex-Chanceler Merkel, esta que moldou o perfil do partido CDU e ainda conta com um apoio significativo do mesmo. Opor-se abertamente aos responsáveis pela desgraça seria entendido como uma concessão do novo presidente do partido CDU (dele, Merz) ao partido de extrema direita que já adentrou o parlamento federal e rapidamente se fortalece na esfera federal, o partido Alternativa para a Alemanha (AfD), o único partido no Bundestag a diretamente se opor a eles em quase todas as questões.
E a China também influênciou o crescimento econômico da Alemanha
Em uma pesquisa realizada três semanas antes da eleição federal em Setembro de 2021, 80% dos entrevistados aprovaram o trabalho de Merkel. Esse julgamento, muito influenciado pela mídia que em toda sua era evitava muito criticar a política de Merkel, refletiu a percepção positiva pelos eleitores. A recuperação econômica vivida pela Alemanha durante a era Merkel estava permanente no foco da mídia e isso foi efetivamente passado para o consciente ativo na cabeça dos leitores.
O crescimento robusto da Alemanha foi resultado de uma combinação excepcionalmente favorável de vários fatores, liderados fortemente pela energia barata da Rússia e pelos ganhos da venda dosntubos e do lucro do dinheiro emprestado. Mas outros fatores contribuíram para longos tempos de expansão econômica: uma recuperação da economia global, principalmente devido ao aumento da demanda na China, a contração salarial dos trabalhadores alemães e o câmbio fraco do euro. Esse inevitável sucesso econômico alemão não poderia ser atrapalhado por reportagens que trouxessem insegurança aos alemães da massa popular.
A nova realidade não pode ser escondida nem mesmo pela mídia alemã, o quarto poder do estado alemão.
Agora a Alemanha enfrenta dificuldades para desfazer os erros da era Merkel-Schröer. Por ex., os gastos com defesa, apesar de terem sido incrementados, ainda estão longe de alcançar a meta obrigatória para qualquer país-membro da OTAN, ou seja, de 2% do PIB. E como se não bastasse, os preços de energia subiram muito e esse fato pode enfraquecer a pré-disposição do público alemão em continuar apoiando a Ucrânia, at+e mesmo de continuar dando abrigo e ajuda em dinheiro para os refugiados da Ucrânia.
As condições de apoio à indústria de exportação alemã se deterioraram significativamente após o surto da pandemia de Covid-19 e agora pela guerra na Ucrânia. O Fundo Monetário Internacional revisou para baixo suas previsões de crescimento para a Alemanha em 2022 e 2023. Em Maio de 2022, estimou o crescimento da Alemanha em 2022 em cerca de 2%; em Julho, a projeção era de apenas 1,2%. Várias pequenas e médias empresas, especialmente nos setores de turismo e gastronomia, tiveram que fechar devido aos bloqueios por causa da pandemia. Teme-se que ainda muitas empresas não sobrevivam ao aumento dos preços da energia e à redução do abastecimento de gás no outono e inverno.
Para aliviar os consumidores, o governo disponibilizou até agora 30 bilhões de euros. Em 4 de Setembro, o Chanceler Scholz anunciou um pacote de ajuda adicional de 65 bilhões de euros, pois à ela somente restou finalmente reconhecer o mais do que óbvio: A Rússia não mais fornecerá energia até que a Alemanha deixe de interferir nos assunto russo-ucranianos.
E a situação continua mudando dramaticamente. Em 5 de setembro, o governo alemão concordou em continuar operando até Abril de 2023 duas das três usinas nucleares restantes que planejadamente estavam para fechar no final do ano. E neste mesmo dia, o Kremlin comunicou que estaria interrompendo o fornecimento de gás para a União Européia através do Nord Stream até que as sanções ocidentais sejam levantadas contra a Rússia.
Querem expulsar a Rússia do continente europeu?
A Ucrânia combate a invasão russa com armas da OTAN e a Rússia se defende praticamente sozinha. A União Européia (UE) e o país „mandatário-chefe“ da UE parece não vêrem a Rússia como um país europeu, pois de tudo fazem para segregá-la.
A Rússia praticamente foi coagida a iniciar a guerra. No campo diplomático a Rússia era combatida sutilmente. Agora toda a UE e sua OTAN combatem a Rússia militarmente com armas de quase todos os países-membros da OTAN. Mas guerras se acabam com diálogo, quando o diálogo é bem-vindo.
Mesmo se a Ucrânria, como resultado do final da guerra através do diálogo, perder nesse momento parte de seu território para a Rússia, o que particularmente consideramos uma terrível catástrofe para o povo ucrâniano, o diálogo ainda é a solução para por fim nesta guerra. Vidas humanas e o futuro de milhões de crianças e jovens estão em jogo. Infelizmente a UE através da alemã** Ursula von der Leyen em seu discurso sobre a situação da UE afirmou o seguinte: „“Temos que nos afastar da Rússia“, disse von der Leyen.“. As sanções contra a Rússias já são as mais pesadas que se tem notícia, mas von der Leyen ainda bota mais lenha na fogueira contra a Rússia. De acôrdo com um artigo da revista Der Spiegel do dia 14.09.2022 ela falou o seguinte: „“Não quero deixar dúvidas de que as sanções vão durar“, disse a alemã“ (Der Spiegel em seu artigo do dia 14.09.2022 entitulado »Putin wird scheitern, Europa wird siegen«).
Vale lembrar que Ursula von der Leyen cresceu na política com ajuda de sua mentorab e amiga pessoal, Angela Merkel. Von der Leyen sabe que Merkel cometeu vários erros, então ela, von der Leyen, de tudo fará para que a Rússia quebre em baixo do peso das sanções e da guerra prolongada por causa dos armamentos fornecidos indiretamente pela OTAN.
A Europa, ao que a historia nos ensina, adora uma guerra, pois sem elas, parece mesmo não saberem nem viver e nem fazer suas economias prosperarem. Esta é a lição que a história européia nos ensina. Quem tem saído lucrando nessas guerras?
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*) Os EUA durante o governo de Donald Trump chamaram a Alemanha para assumir sua responsabilidade pela segurança da Europa e não deixar tudo nas costas deles e dos outros países-membros que pagam em dias suas contribuições. A Alemanha em sua longa fase de crescimento econômico não contrubuía com os 2% do seu PIB para com o orçamento da OTAN, obrigação de todo e qualquer membro. Ainda hoje ela não o faz.
Donald Trump então planejou a retirada de quase 12.000 soldados estadunidenses da Alemanha. Ele considerou os gastos com defesa insuficientes justamente pelo aliado economicamente mais forte da Europa.
**) Assim nesses têrmos se refere a revista alemã Der Spiegel à Von der Leyen em seu artigo do dia 14.09.2022 entitulado »Putin wird scheitern, Europa wird siegen«.
Interessantes leituras, em alemão:
Deutschland kann Europa nicht mehr führen: Die Überheblichkeit rächt sich, von Dieter Löffler, bei Südkurier, September 2022, abgerufen am 04.09.2022 um 09:48 Uhr.
SPD-Streit über Ukraine-Kurs: Deutscher Alleingang wäre schon wieder ein historischer Fehler, Von: Georg Anastasiadis, bei Merkur.de, am 31.01.2022, abgerufen am 04.09.2022 um 09:32 Uhr.
https://www.merkur.de/politik/deutschlands-vierter-alleingang-georg-anastasiadis-91272331.html
Atomausstieg und Energiewende: Wie sinnvoll ist der deutsche Alleingang?
Von Joachim Weimann, in ENERGIEWIRTSCHAFTLICHE TAGESFRAGEN 62. Jg. (2012) Heft 12.
»Putin wird scheitern, Europa wird siegen«, abgerufen am 04.09.2022 um 10:12 Uhr,
SPIEGEL Interview with Ex-German High Court Justice ‚It Is a Mistake To Pursue a United States of Europe‘, abgerufen am 04.09.2022 um 10:00 Uhr.
„Europäische Solidarität in Gefahr“ – Sorge vor deutschem Energie-Alleingang, abgerufen am 04.09.2022 um 10:03 Uhr.